“Tens uma mesa com três senhores, à frente outra com duas pessoas, depois um senhor sozinho e um senhor ao balcão, a quem queres entregar o teu avião?”, perguntei eu. O avião era um desenho que a Mariana fez ao som de uma música bonita enquanto recordava memórias de infância. Atrás, estava escrita uma frase. Uma frase escrita por ela. No meio de uma balbúrdia de textos que escreveu sem pensar, aquela era a frase escolhida. Na altura, ela não fazia ideia para quê. Sem hesitar, a Mariana disse: quero entregar o meu avião ao senhor do balcão. “Boa noite, a Mariana que está aqui comigo de olhos vendados quer entregar-lhe esta mensagem”. Silêncio e um gole de cerveja. “Não acredito em mensagens”. Silêncio e outro gole de cerveja. “Mas se me quer entregar, eu aceito”. O tempo acabou. Era altura de invertermos os papéis. “Queres tirar a venda e ver a pessoa a quem entregaste a tua mensagem?”. “Sim”. Viu-o de costas e saímos em silêncio. Vendei os meus olhos e segui com a confiança na Mariana como minha guia. Uns passos à frente, ouvimos um homem chamar-nos. Parámos. “Vocês conhecem-me? Vocês sabem da minha vida? É que esta mensagem é mesmo para mim”. Mesmo de olhos vendados, eu sentia-lhe a emoção. Tarcísio era o seu nome.
Brasileiro a viver em Portugal que há muitos anos não vê filhos nem netos, sente-se sozinho. Nas mãos, o desenho pintado a lápis de cor. Ele mostrava-o como se fosse uma lanterna apontada ao coração. “Quando abri a vossa mensagem, senti que este desenho que é mesmo para mim – olha aqui – e depois viro e tem essa mensagem… o meu mundo caiu no chão. Eu me emocionei, porque essa mensagem era mesmo para mim. Como é que vocês fizeram isso?” Tirei a venda e falei-lhe sobre a nossa paixão pelo teatro e que aquela mensagem era resultado de uns exercícios meio doidos feitos num ensaio. Expliquei-lhe como minutos antes fomos artistas e ao mesmo tempo desdenhadores da nossa arte. Expliquei-lhe que a Mariana o escolheu mesmo sem o ver, assim vendada como ele tinha visto. “Posso dar-lhe um abraço?” E abraçamo-nos. “Não imagina como eu preciso desse abraço”. Ele também não imaginava como cada uma de nós precisava daquele abraço. “Sabe, eu me tornei fechado. Vim do Brasil e aqui não era bem aceite a forma de estar de um brasileiro. Eu acho que a cultura de vocês é mais fechada e então eu me fechei também. Estou muito feliz por ter encontrado vocês e por ver que ainda há pessoas especiais. Com esse desenho eu hoje vou até dormir melhor.” Bons sonhos!
Andreia Félix